O menino e o gigantismo – Parte I
O menino voltou para o campo! Voltou para suas ovelhas, suas tarefas rotineiras. Somente as lembranças recentes de seu desempenho, uma ação muito importante que se desenrolou no campo de batalha, bem diferente do campo das ovelhas onde agora estava.
Enquanto ocupava-se com os seus afazeres, o menino ainda arfava e no canto da boca, o sorriso matreiro insistia, sabendo que nada mais seria como antes! Afinal, aquele feito fora caracterizado pela enorme diferença de força entre o menino e o gigante. O tirano gigante se viu acossado, apesar de seus discursos satíricos, seu tom jocoso que não dissimulava sua intenção. O menino não se permitia subjugar pela retórica, o que só agigantava a dinâmica da ação.
Durante a luta foi agregado a narração crítico-exemplar dos vícios da sociedade local, criou e impulsionou o foro da opinião pública sempre tão cheia de argumentações sociológicas. Estas argumentações sociológicas não eram, porém, conceptual e, sim, descritivas, ou seja, não questionava definições, mas descrições. Aquela apenas que adquire o caráter de análise tipológica, daquelas que resultam em risos, gritos e piadinhas preconceituosas do tipo ”quem esse magricela pensa que é” ou mesmo opiniões veladas como “o moleque não luta nada!” Enquanto o menino lutava, ou até mesmo agora enquanto lembrava, isso não era importante para ele! Na verdade, ele nem sabia que o conceptualismo é doutrina segundo a qual os universais existem como conceitos mentais apenas, segundo a qual o espírito humano pode formar idéias correspondentes a termos abstrados. Estes efeitos sociológicos de um propósito político, polêmico não faziam parte da luta do menino. Não lhe interessava.
Agora, assentado debaixo de uma árvore e segurando em uma mão a funda usada na luta e, na raiz da árvore a sua harpa que também descansava, relaxou. Já podia fazer isso por um pouco, então esticou os braços, as pernas magras, a coluna jovenzinha, mas não pensou que fosse indispensável, nem mesmo na política ou na opinião pública como o motor e complemento.
Ali, de volta ao campo das ovelhas , apenas cumpria seus deveres de pastorzinho sem pensar que aquela luta, em parte, parecera mais ficção, que caracterizara o papel social e até espiritual desempenhado por ele. Era a aurora da independência de seu povo, de sua nação! Contudo, não foi só veneração e respeito mítico, do fabuloso, que rodearam a figura do menino. Naquela altura, a inclinação de ciúmes, invejas, estavam tão arraigadas naquela sociedade que por ocasião de uma luta violenta entre dois grupos políticos contrários, alguns dos participantes, seus irmãos, filhos do mesmo pai, atentaram para o fato de que se encontravam em frente a uma disputa. O menorzinho, qual poeta, fora então convidado, de armadura real e todo o mais aparato, o que logo dispensou desprezando, a que chegasse à sacada e recitasse seus versos. Viram-se logo obrigados a dissimular as críticas que haviam feito satiricamente.
Naquele pé de árvore, novamente contando as ovelhas e protegendo-as com o seu cajado, enquanto usava a vara para os lombos dos lobos, o garoto nem se importava se corroborou juridicamente com sua luta para transformações sociais decorrente da independência. Ele apenas ria ao lembrar de como Deus usara sua funda, sua laçada de couro e uma pedrinha que poderia ser chamada de um dos nomes de Deus, e no caso teria sido o “Deus forte”. “Que Deus grande é este e digno de ser louvado?”, pensava o garoto. Deus era, para ele, o relevo, a necessidade imperativa, a exigência que vai mais além do que permite a matéria! Diante disso e desse Deus único, termina toda exceção, toda neutralidade ou até racionalidade. Para o menino, então, terminam todas as teorias gerais, o sistematismo, o desprezo dos feitos existentes, a lógica. “Aquilo foi um espetáculo Divino e espantoso”, pensava o mocinho.
Ele pensava em como Deus dera origem aos inusitados métodos de guerra e como pôde conduzir toda aquela revolução! Deus, para o menino, era ali a figura do intelecto que delineia um problema amplo. A inteligência planear projetou o caminho da pedra e abriu caminho para uma sociedade inteira, numa proeza libertadora! Deus sim, era o grande guerreiro.
Esses pensamentos naquele final de tarde lá no campo das ovelhas trouxeram ao mocinho grandes revoluções internas e, ao passo que pensava, tudo o que lhe aconteceu adquiria relevância sutil e novas tônicas na sua fé. É quase impalpável, sem ruído o que se instala na alma do moço. Delicado mas penetrante e hábil, causando vigor, energia.
Pastor Ronaldo Reis