Começo, meio e fim dos discos evangélicos
por Salvador de Sousa
A música evangélica está presente em nosso País desde 1547 quando Hans Staden, um dos primeiros protestantes estrangeiros a pisar no Brasil, desembarcou em Pernambuco. Trazia consigo sua fé e seu hinário.
Os hinários reinaram absolutamente em terras brasileiras no período de 1547 a 1900. No início, os hinos estavam na língua pátria dos estrangeiros, mas depois foram sendo traduzidos para o português.
Somente no final do século 19 é que se tornou possível a gravação de música com a invenção do fonógrafo, em 1877, pelo americano Thomas Edison e do gramofone, em 1887, pelo alemão Emil Berliner. Esses dois aparelhos não precisavam de energia elétrica para funcionar.
As gravações tocadas no fonógrafo eram registradas em cilindros de cera, que mediam 10 cm de comprimento, 5,7 cm de diâmetro e cabia cerca de 2 minutos de música. No fonógrafo tanto se ouvia, quanto se gravava ou regravava músicas.
No meio secular brasileiro as gravações em cilindros de cera iniciaram em 1902, porém há registro de uma gravação evangélica, ocorrida em 1901, de forma independente. Como os cilindros só deixaram de ser fabricados no Brasil por volta de 1920, é provável que outras gravações evangélicas tenham ocorrido neste período, porém não temos informações ou provas.
O fonógrafo ganhou seu espaço no mundo, mas não por muito tempo, pois o gramofone e seu disco conquistaram e tomaram o espaço no mercado, já a partir das primeiras décadas do século passado.
Em suma, são os discos, essas peças redondas, planas e achatadas, que armazenarão a maior quantidade de músicas, bem como eternizará o talento de muitos artistas e grupos evangélicos.
Se tomarmos o ano de 1912 como marco da chegada do disco em nosso meio, são 112 anos de existência até hoje. A seguir veremos um pouco da trajetória do disco no meio evangélico.
Era do disco de 78 RPM (1912 a 1964)
Neste período o fonógrafo e seu cilindro foram perdendo espaço até ser substituído completamente pelo gramofone e seu disco. Os discos passaram por várias rotações, porém, em 1910, foi adotado oficialmente o disco de 78 rpm (rotações por minuto).
Ao contrário do cilindro, o disco tinha um custo de fabricação mais barato e permitia a duplicação em série, por isso dominou o mercado. Outro aspecto a favor do disco é que partir de 1905 foi possível gravar duas músicas, ou seja, uma de cada lado, o que representou um grande avanço na época.
Os discos evangélicos em 78 rotações mais antigos que se tem conhecimento foram lançados em 1912 pelo coro da Igreja Evangélica Fluminense, que lançou 6 discos de uma só vez. Este coro lançou outros discos em 1936, 1944 e 1945. Já o coro da Igreja Presbiteriana do Rio lançou discos em 1916 e 1929. O coro da Igreja Metodista Central, de São Paulo, lançou alguns discos entre 1942 e 1949. E o coro da Caravana Evangélica Musical lançou discos em 1941 e 1950.
Inúmeros cantores, cantoras e grupos gravaram discos de 78 rotações, tais como Carlos René Egg, Edgar Martins, Loides dos Santos, Maria da Glória de Souza, Martha Faustini, Trio Paulista, etc. Feliciano Amaral e Luiz de Carvalho podem ter sido os que mais gravaram discos em 78 rotações. Feliciano, por exemplo, lançou 38 títulos.
Ao contrário do que muitos pensam, o disco de 78 rotações era rentável. Quando Luiz de Carvalho lançou seu primeiro disco, toda a renda foi destinada a terminar a construção do templo da igreja onde congregava. Segundo ele, numa entrevista, o disco “vendeu como água” e o templo foi erguido.
O disco de 78 rotações deixou de ser fabricado no Brasil em 1964, ou seja, por aqui reinou por mais de 60 anos. Então, provavelmente milhares de títulos evangélicos em 78 rpm foram lançados, porém muitos se perderam por sua fragilidade, uma vez que eram fabricados com uma goma-laca que quebrava com qualquer queda, a exemplo de uma xícara de porcelana.
Era do LP (1955 a 1995)
O LP (Long Playing) foi inventado em 1948. Era feito de vinil, plástico bem mais resistente e leve. Tinha 33 1/3 de rotações por minuto e cabia de 8 a 14 músicas. O elepê, também conhecido por “bolachão”, experimentou dois tamanhos: de 10 e 12 polegadas, porém o de 12 tornou-se o padrão. O LP era tocado em aparelhos chamados toca-discos, radiola, vitrola, aparelho de som, etc, os quais funcionavam com eletricidade e os portáteis, com pilhas.
Devido à sua superioridade, o LP desbancou o disco de 78 rotações na década de 60 e, por tabela, o disco de 45 rpm que pretendia substituir os de 78 rpm. Entretanto o LP teve que dividir espaço, especialmente a partir dos anos 70, com os compactos vinis, espécie de mini-LP que tinha geralmente duas ou quatro músicas, e as fitas K7, as quais deram origem à “pirataria” nos anos 90. Vale ressaltar que nos 90, especialmente, o VHS com clipes e vídeos de shows de cantores e grupos evangélicos, teve bastante aceitação no meio.
O primeiro LP brasileiro foi lançado em 1951. Já o primeiro LP evangélico foi gravado pelo Luiz de Carvalho, no tamanho de 10 polegadas, contendo 8 músicas, provavelmente em 1955. Já o compacto vinil começou a ser utilizado no meio evangélico a partir dos anos 60. Loides dos Santos, por exemplo, lançou seu primeiro compacto em 1963 e a Sara Araújo, em 1965.
Mais de 13.000 títulos evangélicos em LPs, fora os compactos, foram lançados neste período pelas gravadoras evangélicas e seculares. Milhares de cantores, duplas, trios, quartetos, conjuntos, bandas, conjuntos e corais estavam em atividade e lançaram discos. Mais de 60 gravadoras ou selos evangélicos estavam em funcionamento, porém houve inúmeras gravações independentes. Ressalte-se ainda que inúmeros discos de 78 rpm foram relançados em LP.
Josué Barbosa Lira foi o cantor evangélico que mais gravou discos de vinil: 136 LPs e 17 compactos, um recorde imbatível até mesmo no meio secular. Bem abaixo dele estão Luiz de Carvalho, Feliciano Amaral e Jair Pires (Jair & Hozana + Os Galileus + solo) que lançaram cada um, entre 50 e 70 discos, contando-se discos de 78 rpm, LPs e compactos.
Era do CD (1991 a 2019)
O CD (compact disc) é uma tecnologia que chegou às lojas brasileiras em 1987. No início lançava-se um título em LP, K7 e CD, porém o espaço foi sendo dominado pelo CD que se consolidou no mercado a partir de 1996. É nessa época, também, que o DVD com clipes e shows de cantores e grupos evangélicos cresce e se consolida.
Provavelmente o primeiro disco evangélico a ganhar versão, também, em CD, foi o LP Princípio (1990), da banda Rebanhão, lançado pela gravadora Gospel Records.
Várias gravadoras evangélicas novas surgiram, enquanto as mais antigas adotaram a nova tecnologia lançando e relançando títulos em CD. Vale ressaltar, entretanto, que esses relançamentos provavelmente não atingiram nem a metade dos LPs catalogados nas gravadoras.
Se por um lado o CD trouxe uma tecnologia com um som mais apurado, este instrumento facilitou a “pirataria” e o download gratuito com o avanço da internet, o que prejudicou financeiramente os envolvidos em todo o processo produtivo. É bem verdade que no meio evangélico o impacto foi menor, porém não deixou de ocorrer inúmeros exemplos.
Não temos números oficiais, mas as gravadoras (evangélicas e seculares) e produções independentes somam mais de 7.000 títulos lançados em CD nessas quase 3 décadas.
Vários cantores e grupos lançaram mais de 20 CDs, como por exemplo, Marcos Antonio, Ludmila Ferber, Cassiane, Renascer Prayse e Voz da Verdade, mas provavelmente o Ministério Diante do Trono foi o único que chegou a quase 50 títulos.
Há ainda CDs novos sendo vendidos em lojas evangélicas e pela internet, porém a maioria são títulos antigos pertencentes a estoques encalhados. Com a pandemia do COVID 19 parece que a fabricação despencou de vez, bem como aumentou o desinteresse do grande público pelos CDs.
Fim da era do disco
Podemos afirmar que 2020 marca o domínio dos serviços de streaming de áudio e vídeo que já vinham ganhando seu espaço ao longo dos anos, bem como o crescimento dos evangélicos no Youtube, Facebook e Instagram. Gravadoras, cantores e grupos têm corrido para essas plataformas visando vender e/ou divulgar suas músicas. Com isso a hegemonia centenária do disco cessou e poderíamos colocar como marca disso o ano de 2019.
Apesar do desinteresse das gravadoras, cantores e grupos evangélicos em lançarem novos CDs, os que foram lançados seguem o mesmo caminho dos LPs, ou seja, já estão sendo conservados e valorizados nas mãos de colecionadores e fãs. Com isso podemos afirmar, com certeza, que os discos ainda permanecerão décadas e talvez, séculos em nosso meio.
Bibliografia
Braga, Henriqueta Lisboa Fernandez. Música Sacra Evangélica no Brasil. Ed. Cosmos, 1ª edição, SP, 1961.
Sousa, Salvador de. História da Música Evangélica no Brasil. Ed. Ágape, 1ª edição, São Paulo, 2011.
Parabéns pelo texto, um verdadeira aula sobre o mercado fonográfico evangélico, material esse que deveria ser mais divulgado, Salvador vem se mostrado como uma das grandes MEMORIAS VIVAS de nossa importante história.
Uau, que história!! Considero muito importante conhecermos essa história da música. Quem ama a música como eu, precisa saber disso. Parabéns pelo trabalho belíssimo!!! É uma linguagem simples e totalmente compreensível.
Obrigada.