Pais, filhos e teimosia
Sabe aqueles dias lentos…chuvosos? Daquelas chuvas finas que deixa o dia nublado, escuro? Ninguém gosta. Mas estes são dias bons para o plantio e para a colheita, para aqueles que vivem da colheita, além de serem dias bons para os vendedores ambulantes que podem então, vender guarda chuva e acabam por ganhar um dinheirinho extra para levar para casa ( aqui em Curitiba eles aparecem aos montes). São dias bons para se usar uma roupa mais quentinha e que ajuda a esconder aquelas gordurinhas incômodas ou indesejadas.
Estes dias trazem noites boas para dormir, comer, conversar, ler, assistir a um bom filme enrolado naquela velha manta, assistir TV sem compromisso, só para mudar de canal repetidamente porque não se sabe o que está perdendo de melhor no outro canal! Vai saber.
Esses dias chuvosos, lentos e frios são bons para valorizarmos o sol, além de serem dias mais produtivos porque nossas ocupações e tarefas sempre rendem mais que nos dias ensolarados e quentes. Nos dias de chuva teimosa os dias são prolongados. Pelo menos é o que nos parece.
Mesmo sendo, esta chuva obstinada, boa para a terra, para as flores, se ela insiste mais que o suportável então começaremos a pedir sol.
Filhos são brotos de planta. São filetes delgados, fiozinhos , como a espira de uma rosca de parafuso, como voltas de uma espiral. Sopram, exalam,estão vivos.
São como os dorsos de serra, formados por penhascos de arestas vivas, que perseguem e seguem as linhas das maiores altitudes.
Algumas vezes não parecem sequer filhos, membros de sua família pois mais parecem arbustos da família das rutáceas, cascudos, uma sarça. De qualquer forma, filhos são sempre um Espondeu, Spondeu, esse pé de verso composto de duas longas sílabas.
Como filetes, são ornamentos dourados ou prateados dentro de nossos livros de cabeceira e como parte de nós eles são, cada um, uma das ramificações terminais de nossos nervos. Não importa! Cada filho já é, ele só, uma filharada. Filho, filhotinho, filhotão, filhinha ou filhinho, nós os pais sempre sofreremos de filhotismo numa proteção escandalosa.
É nosso dever filiá-los, perfilhá-los. É preciso os entroncar, os encontrar, fazê-los nascer! Fazê-los nascer uma, duas, dez, vinte…cem vezes e quantas vezes eles precisarem e quantas vezes nós, os pais, precisarmos e… quantas vezes precisamos? Enquanto eles são as filicales, plantas herbáceas arborescentes, ocasionalmente trepadeiras que compreendem os mais verdadeiros fetos. Nossos filicíferos, nossos sempre fetos, nossos afetos, nossos fatos e, vez por outra, desafetos.
Nesses nada novo desafetos , é que descobrimos como pais, que é preciso desaferrolhá-los, desaferrá-los, desprende-los, abrir os ferrolhos e, tudo isso sem perder a afeição, sem desamar! Apenas desafervorar-se, afrouxarmos o nosso fervor. Esse ato complexo nos chama ao desafio e é preciso que tenhamos um filtro, uma talha como quem filtra água potável; coar mesmo.
Mas, quanto a mim, respeito e gosto dos filhos teimosos! Aqueles que temos que conviver como quem convive com os dias chuvosos, dias nublados e escuros mas que estão preparando o solo, as plantas, o sol. É preciso conviver com eles sem queixumes, sem descontentamentos, sem aborrecimentos! Sem exposição de agravos, sem injúrias mas em autoridade competente que não precise pedir reparação a todo momento.
Como os dias de chuva fina que prepara o solo, traz a primavera e a sustenta, são querençosos. São sim voluntariosos, caprichosos, teimosos e só se deixam convencer pela vontade própria. Exprimem o tempo todo o ato formal da vontade própria enquanto são ao mesmo tempo afetuosos e, quase carinhosos. Precisamos respeitá-los e não destruí-los, porque assim mostram poder de decisão, o seu querer, o seu poder.
É verdade que eles não possuem não possuem rodinhas , para que em nossa pirotecnia de pais ou mães, fazermos com que eles girem e acendam o rastilho de pólvora. Eles acendem suas próprias pólvoras e se fazem, eles mesmos, pirotécnicos. Não possuem rodilhões como se carrinhos de mão fossem.
Devem ser respeitados, se não por outras qualidades por esta ao menos: Por serem teimosos.
Não penso neles como mal-criados, desobedientes. Os vejo insistentes, prolongados, obstinados, em pertinácia, tenazes. São os teimosos que insistem, que possuem a qualidade dos que duram, conservam-se firmes, constantes.
Teimosia não é pirraça! Pirraça é feita na intenção sempre de magoar alguém, de contrariar. A pirraça é uma desfeita, um acinte, enquanto a teimosia é pertinácia, uma qualidade dos que resistem. Se o teimoso for treinado, tratado, tratado, canalizado e respeitado quando pequeno, tal qualidade se tornará um traço forte em sua personalidade, o que já é em criança, que o fará forte e com poder de suportar grandes pressões sem que se quebre facilmente . Um aferrado, seguro e tendo afinco em tudo o que se propõe a fazer.
Respeitar, entenda-se, não é ser vagaroso ou permissivo com este pequeno teimoso! É sim, tê-lo em consideração especial, observá-lo, segui-lo, honrá-lo publicamente e corrigi-lo à sós e em quatro paredes. É o pertencimento que lhe dará a devida deferência.
Ao mesmo tempo, neste processo de tratamento do pequeno, o respeito envolverá a imputação de responsabilidade, que é a obrigação geral de responder pelas conseqüências dos próprios atos. Responsabilizar é imputar-lhe responsabilidade e, em sua teima dará conta de seus atos. Não lhe será difícil, baseado em sua estrutura.
Se o pequeno teimoso não for respeitado e tratado em sua teimosia, tornar-se-á então um pirracento, um respondão, um ranzingão grosseiro que responde com palavras más, cheio de argumentos contra, sempre em contraposição. Este decide e refuta em argumentos, vendo seus líderes como adversários, prontos para lhes dar o troco. Existe sim, uma linha tênue no trato com o teimoso.
Nós os pais, precisamos ressaber sobre ele, saber muito sobre o nosso teimoso! Mas fique feliz e tranqüilo: Se os pais não der outro nome ao teimoso que não seja o de teima que o nomeie, o classifique, que não o designe pejorativamente, então tudo ficará bem. Tudo terminará bem.
Ao invés de reclamar dele, transformando-o em apenas um rebelde sem causa… “Tenere lupum auribus”, traduzido, ter o lobo pelas orelhas. Então cuidado, para não vencer as dificuldades com seu filho ou filha ou, sobre seu filho ou filha teimoso, onde você sempre vence e , depois ver-se embaraçado em conseqüências dolorosas, resultados desse seu mesmo triunfo. Por algumas vezes, é melhor permitir que o seu teimosinho te vença ! Procure não ser tão teimoso (ou teimosa) com ele e… todos viveram felizes para sempre.
Que texto bom. Adorei! Parabéns, Aleckson, eu não teria escrito melhor.
Ronaldo Reis, falou tudo de uma forma maravilhosa. Me surpreendeu! Precisamos refletir! Um abraço.